Dr. João Valverde Filho é médico anestesiologista, chefe do Serviço de
Tratamento de Dor do Hospital Sírio-Libanês de São Paulo (SP) e membro
da Sociedade Brasileira para Estudo da Dor.
Na Grécia Antiga, três séculos antes de
Cristo, foi fundada a Escola Estoica. O ideal de seus seguidores era
viver “de acordo com a natureza”, e assumir uma atitude impassível e
racional diante dos acontecimentos, fossem eles marcados pela dor ou
pelo prazer. Séculos mais tarde, de acordo com os valores da cultura
judaico-cristã, a dor passou a ser encarada como forma de redimir os
pecados intrínsecos à espécie humana, ou como castigo pelos erros
cometidos. Prova disso está nas súplicas – “A vós suplicamos gemendo e
chorando neste vale de lágrimas” -, ou na ira divina ao punir a
desobediência de Eva no Paraíso: “Entre dores darás à luz os filhos”.
Nem os poetas escaparam dessa postura de aceitação da dor – “Ser mãe é
padecer no Paraíso” –, como mal necessário a caminho da redenção.
Sob o enfoque da medicina moderna, porém, a dor é um sinal de alarme e
o sofrimento que provoca além de absolutamente inútil, debilita o
organismo e compromete a qualidade de vida. Mas, nem sempre se pensou
assim. Durante muito tempo, as faculdades de medicina e de enfermagem
não capacitaram os alunos para lidar com a dor, fosse ela aguda ou
crônica, e muitos médicos estão despreparados para enfrentar esse
desafio, apesar dos avanços tecnológicos e na área da farmacologia. Não
estamos nos referindo aqui às dores mais leves que passam com a
administração de analgésicos comuns, mas às dores agudas e crônicas, que
requerem tratamento mais agressivo e especializado.
Hoje, infelizmente, a despeito de todo o progresso terapêutico, essas
dores ainda não recebem a abordagem necessária e estão se transformando
num problema de saúde pública no Brasil.
FISIOPATOLOGIA DA DOR
Drauzio – Em linhas gerais, você poderia explicar a
fisiopatologia da dor? O que leva o organismo a manifestar a sensação
dolorosa?
João Valverde Fº– A dor é um sinal de alarme do
organismo. Quando se manifesta agudamente, com certeza algo de errado
está ocorrendo na pele, nos músculos, nas vísceras ou no sistema nervoso
central e são liberadas substâncias que ativam os nervos periféricos e
centrais para conduzirem o estímulo até a medula espinhal, onde a
sensação dolorosa é modulada, e de lá para o cérebro a fim de avisá-lo
que, em determinado ponto, existe um problema.
Como a dor pode ser inibida na medula espinhal pela ação dessas
substâncias (serotonina e endorfinas), quando uma pessoa se machuca
praticando esportes ou jogando bola, por exemplo, pode não sentir nada
naquele momento. A dor vem mais tarde, “quando o sangue esfriou”, dizem
os leigos. Na verdade, a razão é outra: existe um sistema supressor
interno que às custas das endorfinas, que são opioides endógenos, isto
é, produzidos pelo próprio organismo, encarregou-se de combater a
sensação dolorosa provocada pela agressão. Portanto, os remédios à base
de opioides indicados para o controle da dor simplesmente amplificam
esse mecanismo natural do organismo.
TRATAMENTO
Drauzio – Você não acha que culturalmente se espera que a
pessoa demonstre uma atitude resignada diante do sofrimento? Lembro de
um caso célebre ocorrido por volta de mil e quinhentos, na Inglaterra,
com uma mulher que pediu, pelo amor de Deus, que lhe aliviassem a dor do
parto. Ao voltar para casa, porém, foi presa e executada por seu gesto
de não aceitação da dor durante o nascimento da criança.
João Valverde Fº – Essa atitude de aceitação passiva
do sofrimento é muito comum ainda hoje, embora, em muitos casos, seja
possível evitar a dor com bastante eficiência e recuperar a qualidade de
vida.
Drauzio – Como você vê o tratamento da dor no Brasil?
João Valverde Fº – As faculdades de medicina e as
escolas de enfermagem, por conseguinte, nunca deram a atenção necessária
ao tratamento da dor, tanto da dor aguda pós-cirúrgica ou provocada por
trauma, quanto da dor crônica.
No entanto, é preciso registrar que, nos últimos anos, tem ocorrido
uma evolução grande no tratamento da dor, não só sob o ponto de vista
farmacológico e de novos procedimentos, mas também no que se refere à
forma de abordar o problema. Haja vista que vários países, inclusive o
Brasil, estão empenhados numa campanha para considerar a dor como o
quinto sinal vital na avaliação do paciente.
Drauzio – Quais são os outros quatro?
João Valverde Fº – A medida da pressão arterial, do
pulso, da respiração e da temperatura. Os estudantes de medicina e de
enfermagem aprendem a avaliar esses quatro sinais em todas as escolas e
em todos os pacientes. A proposta é capacitá-los para incluir um quinto
sinal, o sinal de dor, no processo rotineiro de avaliação do doente.
Drauzio – Há situações em que esse quinto sinal é mais
importante do que os outros quatro. Por exemplo: um jovem acidentado
pode ter níveis normais de pressão arterial, temperatura, pulso e
ventilação, valores que são registrados no prontuário do hospital, na
pior das hipóteses, quatro vezes por dia. No entanto, na imensa maioria
das vezes, não há a menor alusão à dor que ele sente.
João Valverde Fº – Isso acontece porque a dor é
muito mal avaliada e, consequentemente, mal tratada, apesar de existirem
meios para controlá-la, qualquer que seja sua intensidade.
Paciente com dor leve, em geral, responde bem aos analgésicos comuns;
já o paciente grave internado na UTI, com complicações generalizadas,
requer uma abordagem multidisciplinar empenhada no tratamento da dor. No
entanto, até dez anos atrás, era esse item que menos atenção merecia.
Atualmente, ao contrário, é nele que os médicos procuram investir mais,
porque sabemos que o controle ideal da dor permite alta mais precoce da
UTI e, consequentemente, recuperação mais rápida da capacidade de andar,
retirada da sonda nasogástrica e a ingestão de líquidos por via oral.
Está provado que o tratamento adequado da dor abrevia o período de internação.
DOR AGUDA E DOR CRÔNICA
Drauzio – As dores podem ser agudas ou crônicas. Dor aguda,
muito forte, pode exigir a prescrição de um analgésico potente que não
seria indicado no tratamento contínuo das dores crônicas.
João Valverde Fº – O tratamento varia conforme a
intensidade da dor. As dores agudas periféricas ocorrem por excesso de
nocicepção, isto é, por uma descarga de estímulos dolorosos nos
nocirreceptores (terminações nervosas da dor) provocada por cirurgia,
traumas ou queimaduras, por exemplo.
Dor periférica leve costuma responder bem aos anti-inflamatórios não
estereoidais, associados ou não à dipirona. Já o tratamento da dor
moderada demanda a associação desses medicamentos a um opioide fraco; e o
da dor mais forte, o acréscimo de opioides mais potentes.
Associar de diversas classes de medicamentos possibilita utilizar
menor quantidade de cada um deles durante o tratamento e reduz a
manifestação dos efeitos colaterais.
Drauzio – Em geral, os doentes se impressionam com a
associação de medicamentos. “Opa, estou tomando três remédios para a
dor, meu fígado não vai aguentar”, é o que temem.
João Valverde Fº – Esse preconceito não tem
fundamento. Na verdade, o objetivo da associação de medicamentos é
aliviar a dor e diminuir os efeitos colaterais.
Por outro lado, quando a dor é forte, a utilização de apenas um
anti-inflamatório não faz regredir o quadro. Não se pode esquecer de que
os anti-inflamatórios não estereoidais têm um efeito teto. A partir de
determinada dose, não aumentam a analgesia, ou seja, não mais ajudam a
aliviar a dor. Além disso, em doses muito altas, provocam efeitos
colaterais indesejáveis no aparelho digestivo, nos rins, etc.
Drauzio – Você tocou num ponto muito importante. Embora
evitemos sempre qualquer alusão á marca comercial dos medicamentos,
neste caso é necessário abrir uma exceção. Anti-inflamatórios comuns,
como Voltaren, Indocid, Naprosyn e tantos outros, têm um efeito teto.
Portanto, a partir de determinada dose, não tiram mais a dor. Se ela não
passou com uma ampola injetável, não é com duas ou três que vai passar.
João Valverde Fº – Por isso, associa-se ao anti-inflamatório um opioide fraco, quando a dor é moderada, e um opioide forte, quando é intensa.
PRESCRIÇÃO DE OPIOIDES
Drauzio – Opióides são substâncias sintéticas com grande
efeito analgésico, como é o caso da morfina. Embora seja usada desde o
tempo dos faraós, milhares de anos antes de Cristo, sua indicação ainda
está cercada de preconceito. Na sua opinião, o que justifica esse
preconceito?
João Valverde Fº – O preconceito é antigo e encontra
eco até nas faculdades de medicina, que não ensinam como utilizar a
morfina nem como avaliar seu benefício no tratamento da dor forte. Para
ter uma ideia, no Brasil, a neperidina, também conhecida como dolantina,
reinou praticamente sozinha por muitos e muitos anos. Hoje se sabe que
esse fármaco não é melhor nem pior do que vários outros opioides de alta
qualidade e segurança desenvolvidos com tecnologia de primeira linha.
Como não se conhecia a forma de administrar esses medicamentos nem de
avaliar sua eficácia no alívio da dor, eles só eram prescritos para
pacientes terminais.
Outro falso julgamento é a suposição de que é enorme o potencial de a morfina desenvolver dependência nos pacientes.
Drauzio – O que não é verdade…
João Valverde Fº – Tanto não é verdade que os
opioides podem ser ministrados com segurança também para pacientes não
oncológicos, desde que sejam bem avaliados e controlados pelo médico.
Drauzio – Minha experiência mostra que, quando prescrevemos
morfina para um doente com dores fortes, a primeira reação da família é
imaginar que ele entrou em fase terminal, o que é um tremendo engano.
Pessoalmente, indico a morfina porque não existe nenhum analgésico mais
eficaz do que ela.
João Valverde Fº – Além dessa propriedade, a morfina
tem a vantagem de não apresentar efeito teto. À medida que se aumentam
as doses, cresce seu poder de analgesia. Se o paciente apresentar certa
disforia com determinada classe do medicamento, por exemplo, troca-se de
classe ou associam-se outros analgésicos e esse efeito colateral é
contornado.
Drauzio – Os efeitos colaterais mais importantes da morfina
são boca seca, prisão de ventre e, às vezes, um pouco de sonolência,
nada que se compare ao sofrimento causado por uma dor forte.
João Valverde Fº – Exceção feita à obstipação
intestinal, que se manifesta mais nas mulheres do que nos homens, esses
efeitos colaterais desaparecem durante a utilização da morfina, porque a
pessoa desenvolve tolerância ao medicamento. Acima de tudo, é melhor
tratar o intestino preso do que deixar o paciente sofrendo com dores
fortes.
Drauzio – O fato de a morfina não apresentar efeito teto é de
extrema importância no tratamento da dor, porque sempre existe uma dose
capaz de aliviar o sofrimento.
João Valverde Fº – Há sempre uma dose, mas é preciso
saber avaliar o paciente que apresenta dor crônica ou muito forte para
instituir o tratamento, que é interdisciplinar e multidisciplinar. São
várias as áreas da medicina – neurologia, neurocirurgia, fisiatria,
enfermagem, psiquiatria – que podem interagir nesse sentido.
DESPREPARO PROFISSIONAL
Drauzio – Não parece estranho que os médicos cujas
especialidades estão intimamente ligadas ao processo de dor estejam
despreparados para instituir um tratamento eficaz? Olhe, anos atrás,
passei por uma cirurgia e acordei com uma dor tremenda. Chamei a
enfermeira que me aplicou uma injeção que não fez o menor efeito. Quando
a chamei de novo, quis saber o nome do medicamento. “Mas, isso não vai
tirar a dor forte que estou sentindo” e pedi que chamasse o anestesista
de plantão, que me medicou adequadamente. O problema é que durante mais
de uma hora, sofri desnecessariamente. Pensei, então: “Se eu, que sou
médico, passei por isso no lugar onde trabalho, quantas pessoas não
suportam dores fortíssimas, sem atendimento adequado nos hospitais
públicos e privados do Brasil inteiro?”.
João Valverde Fº – Por isso, no mundo inteiro,
inclusive no nosso país, estão sendo instituídos serviços especializados
no tratamento da dor pós-operatória. É comum o cirurgião prescrever
subdoses de analgésicos para serem ministradas “se necessárias”. Quando
se verifica que elas não surtiram o efeito desejado, está provado que a
equipe de enfermagem leva – veja bem, nos lugares em que o atendimento é
bom – aproximadamente 45 minutos para conseguir entrar em contato com o
médico, preparar a medicação e administrá-la ao paciente. Isso
significa que, quando recebe o medicamento, a intensidade da dor
aumentou tanto que a dose aplicada será insuficiente para surtir efeito.
Assim, a situação se agrava e a conduta terapêutica se torna cada vez
mais ineficaz.
Drauzio – Essa é a situação de rotina nos hospitais brasileiros?
João Valverde Fº – É uma rotina que felizmente está
terminando nos hospitais brasileiros com a formação dos serviços de dor
que promovem a avaliação constante dos pacientes e prescrevem
analgésicos de uso regular e não apenas “se necessários” para diminuir o
sofrimento.
Drauzio – Como a dor é previsível em certos casos, os analgésicos devem ser administrados antes de o paciente solicitar…
João Valverde Fº – Todos sabemos que as dores
pós-operatórias são previsíveis e tendem a diminuir durante o período de
internação, porque a ferida vai cicatrizando. Por isso, os analgésicos
são prescritos regularmente, mas a dosagem varia de acordo com as
características do sintoma.
Ao contrário, no paciente oncológico com compressão tumoral, por
exemplo, a tendência é a dor ficar cada vez mais forte e a medicação
precisa ser mantida, às vezes, com doses mais elevadas. Portanto, a
avaliação exata do quadro de dor é de extrema importância na escolha da
abordagem terapêutica.
Profissionais da saúde do mundo inteiro estão discutindo quais as
formas adequadas de tratar esses dois tipos de pacientes a fim de
proporcionar-lhes conforto efetivo e melhor qualidade de vida. Quando
digo profissionais de saúde, estou me referindo também ao corpo de
enfermagem que precisa saber avaliá-los para informar os médicos a fim
de que prescrevam a droga certa para cada caso.
HORA DO REMÉDIO
Drauzio – Como deve ser administrado o analgésico?
João Valverde Fº – O habitual é o esquema SOS, ou
seja, o analgésico só é administrado se o paciente solicitar. Ora, se a
dor é um sintoma previsível nas pessoas que passam por cirurgia, por
causa da reação inflamatória, do edema e da compressão de nervos
responsáveis pela produção de substâncias algogênicas que provocam
sensações dolorosas, os medicamentos devem ser ministrados antes que a
dor se instale ou aumente de intensidade. Essa técnica terapêutica é
conhecida como analgesia preemptiva e tem importância fundamental no
pós-operatório para que a dor aguda não se transforme, mais tarde, numa
dor crônica intratável. Por isso, os analgésicos devem ser administrados
antes, durante e depois da operação.
Drauzio – Qual a dose de analgésico necessária para controlar
a dor antes e depois de sua instalação. Pergunto isso, porque muitas
pessoas se recusam a tomar o remédio antes de sentir dor.
João Valverde Fº – O tempo de ação no organismo dos
anti-inflamatórios não esteroidais têm de ser observado para garantir
seu efeito analgésico. O diclofenaco, por exemplo, deve ser administrado
a cada seis ou oito horas. Já o tenoxicam, um anti-inflamatório de
longa duração, pode ser tomado uma vez por dia. Quando se faz necessário
utilizar um opioide fraco, como é a codeína associada ao paracetamol, o
intervalo entre uma tomada e outra pode ser de quatro horas.
Duas classes mais modernas desses medicamentos – o rofecoxib e o
colecoxib -, que são mais fisiológicos do que os outros
anti-inflamatórios, provocam menos efeitos colaterais e também podem ser
administrados uma única vez por dia.
Os opioides são fáceis de ministrar. No início se estabelece uma dose
eficaz de morfina de liberação rápida. Depois, entra em cena a
administração cronoprogramada, dividida em duas doses, uma de manhã e a
outra à noite.
Drauzio – Vamos pegar como exemplo a dor de cabeça. Não é
raro encontrar pessoas que estão com dor de cabeça há horas e não tomam
analgésicos porque têm a esperança de que ela desapareça
espontaneamente. O argumento é que temem desenvolver tolerância e não
possam contar com eles se, por ventura, a dor ficar mais forte. O que
você pensa a respeito dessa estratégia?
João Valverde Fº – Toda e qualquer dor exige que seja estabelecido um diagnóstico. Dele depende a condução de um tratamento eficaz.
Agora, se a dor de cabeça apareceu de repente, o melhor é tomar um
analgésico já utilizado em outras ocasiões, o mais depressa possível,
para evitar que fique mais forte. Se isso acontecer, será mais difícil
estabelecer o tratamento.
Entretanto, se as crises forem diárias ou se repetirem com
frequência, a pessoa pode desenvolver resistência aos medicamentos de
uso rotineiro e precisar de doses cada vez mais altas. Isso é
absolutamente comum e normal acontecer. Para evitar a tolerância, por
exemplo, os pediatras recomendam para a criança com febre que as doses
de dipirona sejam intercaladas com doses de paracetamol. Assim como eles
propõem a alternância de uso desses dois medicamentos eficazes para
baixar a febre, podemos fazer o mesmo ou associar medicamentos para
controlar os episódios de dor e evitar que a pessoa desenvolva
tolerância.
ACUPUNTURA
Drauzio – A acupuntura é utilizada com frequência para
controle da dor. Não tive formação nessa área e, às vezes, me perco ao
observar que alguns pacientes se beneficiam com as sessões de
acupuntura, enquanto outros não conseguem melhora alguma. O que sua
experiência pessoal diz a respeito da acupuntura para controle da dor?
João Valverde Fº - Atualmente, a acupuntura é uma
disciplina que compõe o currículo das faculdades de medicina. Sua
utilização cresceu muito nos últimos anos em função também do
desenvolvimento da neurobiologia, ou seja, da compreensão maior do
mecanismo da dor.
Como já mencionei, considero que o tratamento da dor requer abordagem
multidisciplinar e interdisciplinar. Sob essa perspectiva, a acupuntura
tem seu lugar e apresenta bons resultados em muitos casos. Para tanto, o
acupunturista precisa associar o conhecimento da neurobiologia da dor
aos da acupuntura para executar o procedimento eficiente.
Drauzio – Apesar da desproporção entre o número de pessoas
com dor crônica tratadas com acupuntura e o número de trabalhos de
caráter científico produzidos pelos especialistas na área, não se
discute o papel que ela tem no tratamento da dor. Há até uma explicação
neurobiológica sobre a liberação de mediadores que vão interferir no
mecanismo de condução da dor, quando as agulhas são introduzidas em
determinados pontos do organismo. Minha dificuldade é entender como uma
agulha enfiada no pé, por exemplo, ajuda a melhorar o funcionamento do
determinado órgão, uma vez que isso é posto quase como religião, sem
nenhuma comprovação científica. Na sua experiência pessoal, a acupuntura
funciona para aliviar que tipo de dor?
João Valverde Fº – A acupuntura tem ajudado muitos pacientes com dores musculares, miofaciais e com alguns tipos de dor na coluna.
MEMÓRIA DA DOR
Drauzio – Quais são os problemas mais freqüentes que os pacientes com dores crônicas enfrentam?
João Valverde Fº – O primeiro problema talvez seja o
custo do tratamento, que é longo, demorado. Depois, vem a aderência às
diversas classes de medicamentos que, muitas vezes, o paciente com dor
crônica precisa tomar. Por exemplo, ele estranha a prescrição de
antidepressivos ou anticonvulsivantes, e deixa de lado esses remédios
que vão funcionar como analgésicos naquele caso. Um recurso para
convencê-lo do contrário é explicar-lhe que a dor crônica passa pelo
estabelecimento de uma memória de dor. Ou seja, o fato de ter sentido
dor intensa por vários meses ou anos ajudou-o a elaborar uma memória de
dor na medula espinhal, que o tornou mais susceptível e sensibilizado à
cronicidade das sensações dolorosas. Quando ele entende que é preciso
apagar essa memória para fazer com que o sistema nervoso volte a
funcionar como antes, fica mais fácil manter a aderência ao tratamento.
Drauzio – Esse mecanismo de memória de dor é evidente nas pessoas que sentem dor nos membros amputados.
João Valverde – É verdade. Pacientes que tiveram os
membros amputados podem desenvolver uma dor fantasma no membro que não
existe mais. É como se sentissem coceira ou uma fisgada no dedão do pé
depois de terem amputado a perna. O curioso é que, num passado recente,
muitos foram internados em hospitais psiquiátricos porque não se
dominava o conhecimento sobre a origem da dor. Atualmente, isso não mais
acontece. Eles são tratados e desfrutam de boa qualidade de vida.
ATENDIMENTO NO BRASIL
Drauzio – Existem médicos em número suficiente para tratar dos casos de dor adequadamente no nosso País?
João Valverde Fº – Conforme mostram os simpósios e
congressos sobre o assunto e a Associação Internacional do Estudo da
Dor, o número de médicos envolvidos com o tratamento da dor é cada vez
maior, embora ainda seja insuficiente. Dentre eles, tanto no Brasil
quanto nos outros paises do mundo, destacam-se em primeiro lugar os
anestesiologistas seguidos pelos cirurgiões e neurologistas. Esses
médicos são atuantes e acompanham o desenvolvimento de drogas de ação
prolongada e com menos efeitos colaterais que podem ser muito úteis no
tratamento da dor, mas é preciso que todos os outros se envolvam e
busquem formas de evitar que os pacientes sofram desnecessariamente.